Ah esse galpão, centro de um universo em nossa época...

Ah, quem vê esse galpão assim tão vazio, tão solitário, não pode imaginar como fervilhava naquela época quando era praticamente o centro do nosso universo. Quase tudo acontecia ali entre aquelas pilastras nuas, aquele telhado desnudo. Hora do recreio, era ali que a gente brincava de bola de gude, jogava pingue-pongue, jogava malha, xadrêz, disputávamos parte de nossas olimpíadas e guardávamos nossas varas de pesca. Era ali também que o Frei costumava nos reunir para passar sermão, distribuir trabalho, rezar, se juntar para as refeições e também se juntar para encerrar o dia e ir para o dormitório. Em muitas ocasiões à noite, quando o Frei parecia que estava inspirado (ou  irritado com alguma coisa), simplesmente levantava uma das mãos com o dedo indicador para cima e o desespero parece que tomava conta da gente. Como o bairro sempre teve zilhões de pernilongos em certas épocas, muitas vezes a gente tinha que enfrentar um martírio, todos em fila em silêncio sem se mexer, pernilongo picando todo mundo por todos os lados, às vezes por mais de meia hora enquanto o Frei nos transmitia seus ensinamentos através de seus sermões. Me lembro de uma vez em que o tema nos foi passado como se estivesse vindo de um General para seus comandados juvenis todos perfilados, atentos, espartanos, com seus calções rotos e sujos das brincadeiras do dia, joelhos e cotovelos esfolados, cabelos despenteados e ansiando pela hora de iniciar a marcha para o banho e depois a cama bendita até o dia seguinte. Todos os pernilongos do Bairro devem ter tido sua melhor época junto com a nossa.